3.7.07

O desenvolvimento da base , um investimento para a eficácia da descentralização.

por Sílvia Morais

Um governo é eficaz e participativo como resultado de uma sociedade capaz e consciente das vantagens de um ambiente democrático ou é um governo capaz e participativo que gera uma sociedade consciente e capaz de decidir seu próprio rumo?

Atrevo-me a dizer que nenhum governo se faz eficiente, se não tiver uma sociedade civil capaz de ser um espaço de exercício da cidadania e da democracia e possuir uma enorme articulação com a comunidade na qual está inserida, dando espaço para que todos protagonizem sua própria trajetória política e social.

Uma sociedade civil de base, fortalecida nos aspectos democráticos, de transparência e participação é fundamental para o processo de descentralização do governo, iniciado na década de 80 em grande parte dos países latino-americanos, delegando poderes e responsabilidades aos municípios na implantação e implementação de políticas públicas. O processo de descentralização gerou um novo modelo relação cidadão-governo, dando uma maior possibilidade de participação para este cidadão no contexto em que está inserido e no qual o governo municipal, por estar também estar mais próximo, tenderá a ter maior conhecimento das especificidades históricas, sociais e políticas deste território.

Há que se investir para que a sociedade civil de base seja forte aliada dos governos municipais, possibilitando que esta relação seja estabelecida por princípios democráticos e participativos. Quanto mais experiência vivida Governo e Sociedade Civil tiverem, maiores as possibilidades das instituições geradas por meio da descentralização serem mais efetivas em suas decisões, tais como conselhos municipais, orçamentos participativos, etc.

A democracia é antes de tudo um processo pessoal, e que necessita ser experimentado para fazer ser incorporado e fazer parte do dia-a-dia do cidadão. Não basta só a instituição por parte do governo de meios para a participação, é preciso que os cidadãos encontrem este espaço na sociedade civil organizada, da qual ele participe e se organize, que faça escolhas e aprenda a exercitar o ato de escolher e sugerir caminhos para um governo local.

Além de um processo pessoal, a democracia é um processo coletivo e de causas comuns, buscando nas organizações de pessoas e instituições, espaços de diálogo construtivo com o Governo. Entretanto, na América Latina ainda temos que caminhar muito com o objetivo de alcançarmos uma participação cidadã e contarmos com organizações sociais de base que se desenvolvam em modelos de gestão que pressuponham a influência nas políticas públicas, visando sua melhoria e adaptação à própria realidade.

Logo, investir no desenvolvimento da base da sociedade civil latino-americana é fortalecer o governo e o processo de descentralização, pois se a sociedade civil organizada é forte, transparente e cidadã, então é capaz de empoderar a população, proporcionando não um canal de choque com o governo, mas um caráter mais comunitário e colaborativo, e assim permitir que a população se situe sobre a capacidade que tem de:
· Influenciar positivamente nos processos de planejamento governamental;
· Cobrar efetividade do governo na implementação e no planejamento de políticas públicas;
· Requerer serviços públicos necessários;
· Ampliar o acesso à infra-estrutura e aos serviços públicos;

Infelizmente, não estamos falando de uma situação da qual nossa sociedade civil já tenha amplamente percebido esta possibilidade. Temos grandes e significativos exemplos, em todos os países, mas ainda há muito por fazer.

Por outro lado, desde a década de 90, um movimento significativo da sociedade empresarial latino-americana iniciou um forte processo de filantropia empresarial que ampliou não só sua participação, como efetivamente, sua contribuição financeira e técnica para a sociedade civil. Só no Brasil, em dados recentes do Censo GIFE[2], há um amplo crescimento do volume financeiro e técnico deste setor, que apontam um movimento ao redor de 440 milhões de reais (aproximadamente US$ 220 milhões) em 2006, já tendo alcançado 770 milhões de reais (aproximadamente US$ 370 milhões) em 2004.

Se o volume investido é grande, ainda é pouco perto do investimento do Governo para as políticas sociais. Se há investimento técnico, ainda é pequeno para o fortalecimento das organizações sociais de base. Passadas duas décadas, a filantropia empresarial tem hoje o desafio da escala e da efetividade.

Trazendo novamente a realidade brasileira para aprofundar a questão, segundo uma análise mais aprofundada deste Censo Gife, Simom Schwartmam do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), responsável pela análise técnica dos dados levantados afirma:
“De maneira geral, as organizações que participam do GIFE estão satisfeitas com os benefícios que proporcionam às pessoas e às entidades que atendem, mas reconhecem que seu impacto sobre a região e o país é mais limitado. Isso não poderia ser muito diferente, dada a desproporção entre o grande volume de recursos já investidos pelo setor público e privado no Brasil e na área social e os recursos dos quais os associados do GIFE podem dispor, por mais significativos que sejam. Por outro lado, a flexibilidade e os recursos que essas organizações são capazes de mobilizar poderiam permitir um impacto mais amplo, ajudando a desenvolver novas formas de implementação de políticas sociais, que pudessem ser multiplicadas, e cooperando com o setor público de forma mais sistemática”.(Censo Gife, 2006, páginas 2 -3).

O fortalecimento da sociedade civil de base com o objetivo de proporcionar atuações mais democráticas, transparentes e em rede, visando à melhoria da qualidade de seus programas e projetos, e principalmente possibilitando influir em políticas públicas pode ser, portanto, um modelo a ser pensado e avaliado pela filantropia empresarial na América Latina, pois apresenta maiores condições de impactar em escala e poder de transformação de longo prazo.

* Este texto expressa única e exclusivamente uma opinião da autora, sem nenhum vínculo com a instituição da qual representa.

[1] "Desenvolvimento de Base" é a capacidade de grupos ou organizações sociais de populações pobres de autoconvocação, de definir coletivamente suas necessidades, de identificar alternativas de ação mais viáveis para a superação de seus problemas, capacidade de formular e executar programas e projetos, avaliar avanços e dificuldades. Esta capacidade organizativa e de ação coletiva permite que os grupos de base se convertam em protagonistas de seu próprio desenvolvimento e renovem constantemente sua disposição para seguir participando da orientação do destino coletivo da comunidade. (Villar, Rodrigo. 2004a. Niveles de intervención en el desarrollo de base). Cuadernillo 1. En Construír Juntos. Una propuesta para hacer desarrollo de base. Programa de Construcción de Capacidades. RedEAmérica)

[2] O GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) é a primeira associação da América do Sul a reunir empresas, institutos e fundações de origem privados ou instituídos que praticam investimento social privado - repasse de recursos privados para fins públicos por meio de projetos sociais, culturais e ambientais, de forma planejada, monitorada e sistemática.

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